Tertúlia – Darque no Tempo das Invasões Francesas

TERTÚLIA – DARQUE NO TEMPO DAS INVASÕES FRANCESAS

No passado sábado, a sede da Associação de Reformados foi inundada por dezenas de darquenses curiosos e com vontade de tertuliar sobre “Darque no Tempo das Invasões Francesas” como uma época tão complexa quão sinistra da história de Portugal.

A Tertúlia esteve animada. O moderador José Carlos Loureiro apresentou o tempo em que Darque pertencia à Comarca de Barcelos, começando pelo início do séc. XVIII, caracterizando Darque como comunidade eminentemente agrícola e sítio de barqueiros. Sendo, nesse tempo, uma terra extraordinariamente fértil que produzia produtos de alta qualidade que chegavam a todas as povoações ribeirinhas e outras, navegando no Rio Lima. Aproveitou para recordar o facto de, naquela altura, ainda não existir uma passagem a pé enxuto na travessia do rio – a mais próxima acontecia um pouco mais a montante do rio, em Ponte de Lima.

Das Memórias Paroquiais, do século XIX, que referem Darque, o moderador distinguiu as seguintes passagens: “E neste mesmo terreiro se faz uma feira de carros de 15 em 15 dias, franca, que dura dois dias, onde se vendem carros, tabuado de castanho e pinho, lenha e sal” (…); “…continuamente estão vindo carros de fazenda de muita parte da província a embarcar para a Vila de Viana por ser o maior carregadouro de embarcações, que tem toda esta ribeira”(…); “Na baixa ribeira constituem-se ínsuas ou ilhas, uma ou outra lavradia, onde pastam gados e bestas, com quase meia légua de largo entre Darque e Santa Marta”(…); “…vem muita gente de longe tomar estes banhos por conselho dos médicos”(…).

Seguidamente, falou-se da partida do Rei D. João VI para o Brasil e dos sucessivos problemas, geradores de grande conflitualidade, que essa medida ocasionou; até aos 10.000 soldados que invadiram Viana, em Dezembro de 1807, durante a primeira invasão francesa, vindos da Galiza a caminho do Porto – tendo ficado, apenas, uma guarnição em Viana; abordando, também, toda a problemática decorrente do alojamento e do sustento que os vianenses e as populações rurais mais próximas, tiveram que lhes dispensar durante a estadia dessa tropa.

Tertuliou-se sobre o esbulho a que casas e igrejas foram sujeitas para satisfazer a contribuição extra (100 Milhões de francos) que Napoleão exigiu a Portugal para o esforço de guerra; bem como dos saques que os invasores fizeram por onde passaram – aqui falou-se sobre o célebre mito do “os darquenses salvaram o Senhor na areia”. Recordou-se que, nessa altura, a população vianense já estava a ser fortemente penalizada – desde 1795, passando por Fevereiro de 1805 – com impostos destinados a custear a obra do “Encanamento do Rio”. Esta obra acabou por ser sequestrada, para nunca mais sair do papel, pelos impostos que originou, tendo outros lhe sido adicionados de maneira a poder corresponder ao esforço de guerra exigido. Todos estes aumentos, obrigaram enormes sacrifícios aos moradores da “vila e termos”, esgotando, assim, a capacidade de pagar contribuições, o que ocasionou forte contestação popular.

A seguir, a Tertúlia recordou o Junho de 1808 e as comemorações de júbilo que em Viana se fizeram quando se soube que a independência nacional tinha acabado de ser proclamada no Porto. Este acontecimento gerou um grande movimento contra a ocupação francesa, desencadeador de grandes motins, no qual muitos vianenses e darquenses tomaram parte. Apesar de Junot ter decretado, antes daquela data, a recolha de todas as armas e proibido o uso de armas de fogo, em Darque, as Milícias e sobretudo os célebres Ordenanças, estavam bem activos, participando nos tumultos que se estenderam pelas aldeias, por todo o Minho e Trás-os-Montes.

Aos “temíveis Ordenanças de Darque” foi atribuída a ocorrência, em Março de 1809, de um terrível acontecimento que, na Tertúlia, se contou assim: com origem “num rebate do inimigo” para os lados de Ponte de Lima, levou a que o Major Pedro da Cunha Sotto Mayor, na companhia do Dr. António Sarmento, marchassem com uma reduzida comitiva, de Viana para aquela vila. Pelo caminho foram interceptados pelos “povos” de Lanheses que os confundiram com gente “afrancesada”. Tal foi a oposição à sua passagem, que ambos resolveram regressar a Viana, passando para a margem esquerda do Rio Lima, no sítio da Passagem. Mas, ali, inesperadamente, aparecerem os Ordenanças de Darque que os prenderam e os trouxeram algemados para Darque. Quando (21 de Março) iam escoltados a caminho de Braga, na zona de Vila Fria, souberam que os franceses tinham entrado em Braga. Então, aproveitando o momento, o Major Pedro Cunha conseguiu escapar, ajudado por um cabo da escolta. Mas, logo após a fuga, deu-se a perseguição, tendo o Capitão dos Ordenanças conseguido alcançá-lo e, de imediato, o mandou passar pelas armas. O mesmo acontecendo ao Dr. António Sarmento. Entretanto, já os soldados do regimento de Viana vinham a caminho, porém, não conseguiram chegar a tempo de evitar aquelas mortes, mas colocaram os Ordenanças em debandada. Neste relato Tertuliano, referiu-se que tanto o Major como o Dr. Sarmento teriam algo a ver com o autor do projecto do “Encanamento do Rio”, Custódio Vilas Boas, que se tornou muito impopular devido ao esforço financeiro que a população foi obrigada a fazer para custear as projectadas obras, e daí terem sido vítimas da ira popular.

Também, se falou da Fábrica da Louça de Darque (Viana) questionando-se se as Invasões Francesas teriam originado algum impacto negativo no seu desenvolvimento. O moderador foi de opinião que o efeito não teria sido grande, uma vez que a fábrica (1774-1855) encerrou passados quase 50 anos depois daqueles acontecimentos.

A Tertúlia animou ainda mais quando foi abordada a questão da trilogia “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” que depois da tormenta deu lugar a que “fosse desenterrada”, favorecendo a ocorrência da Revolução Liberal de 1820, levando à Constituição de 1822. Para muitos ou quase todos os presentes, com muita indignação, custou a aceitar que o mensageiro – francês – desta trilogia, precisasse de fazer tanto sangue e ocasionado tanta tragédia, para a fazer vingar.

Por último, o moderador apresentou uma imagem de São Sebastião, padroeiro da Paróquia de Darque, ostentando um adorno que se identifica com uma “gola de serviço” idêntica às usadas, na época, por oficiais do exército regular português. Sendo que este São Sebastião pode ser visto, assim, no altar-mor da igreja paroquial de Darque.

A noite foi escorrendo quente e animada com a conversa e as dúvidas, que se foram dissipando à medida que se desfiavam os temas. Agora, aguarda-se a noite de 26 de maio para se “reviverem” esses momentos na II Recriação Histórica das Invasões Francesas em Darque.

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